24 de agosto de 2007

"Licenciado, talvez... Engenheiro, não!"

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O caso "Rádio Renascença", descrito pela Deliberação 1/IND/2007, de 14 de Agosto, do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), é talvez aquele em que é mais vísivel a intervenção do poder político em termos de censura objectiva e de limitação e condicionamento da liberdade de expressão à posteriori, ou seja, já depois de ter sido emitido o bloco noticioso da RR, este é amputado.


Segundo a reportagem do Expresso, que está na génese desta deliberação, houve "telefonemas para a Rádio Renascença (RR) e seu director de informação, a propósito de uma referência irónica na apresentação da notícia pelo pivot do jornal, que entretanto deixou de ser feita".


A Rádio Renascença divulga a notícia do Público, no mesmo dia que é publicada (22 de Março de 2007), nos "blocos informativos das 8h00 e 9h00, como nos boletins intercalares das 8h30 e 9h30. A versão inicial da notícia difundida [pela RR] rematava com um comentário do pivot do noticiário: "Licenciado, talvez... Engenheiro, não!", acrescentando que esta é "uma conclusão a que chega o jornal Público sobre o verdadeiro título académico de José Sócrates"".


David Damião, assessor de imprensa do Primeiro-Ministro ao ouvir a notícia na RR, contacta telefonicamente a subdirectora de informação da estação radiofónica, Raquel Abecassis, "muito exaltado", porque não bastava estarem a divulgar a peça do jornal Público, "mas sobretudo, [pela forma como] o jornalista rematava a notícia" e protesta considerando que a frase ["Licenciado, talvez... Engenheiro, não1"] era "abusiva", uma vez que o Público não concluía isso e portanto, tratava-se de um comentário "completamente fora do propósito da notícia".


Raquel Abecassis retorquiu que iria inteirar-se do caso e, se existisse "uma interpretação abusiva", a frase em causa seria retirada, mas só a frase, não a notícia toda. Ao aperceber-se em seguida que se tratava de "um remate interpretativo em relação ao conteúdo daquilo que vinha no jornal Público", decidiu em conjunto com o editor retirar a frase". O resto da notícia fez o seu caminho até às 9h30, mas a frase só foi difundida uma única vez no bloco informativo das 8h00. A eficácia da retirada da frase foi exercida em menos de 30 minutos!!


Depois da retirada da frase, os contactos de David Damião prosseguem, desta feita para Franscisco Sarsfield Cabral, director de informação da RR, continunado a argumentar que a frase era atentatória do bom nome do Primeiro-Ministro, que aquilo era "difamação" que era "uma coisa horrorosa", "inadmissível", "uma campanha", "uma cabala", "uma calúnia", que "ofende o Primeiro-Ministro, e "uma coisa criada nos blogues". É então que Francisco Sarsfield Cabral se começa a aperceber, até pelo tom exaltado das palavras do assessor do Primeiro-Ministro, que este deseja é que a RR retire toda a notícia do ar, até porque a frase em litígio já tinha sido retirada aquando destes contactos telefónicos.


David Damião, o assessor do Primeiro-Ministro, diz que não pretendeu a retirada da notícia, que era só a frase "Licenciado, talvez... Engenheiro, não!". O director de informação da RR disse à ERC que David Damião ameaçou com processos em tribunais, caso a frase não fosse retirada.


A frase foi retirada, segundo Francisco Sarsfield Cabral disse na audição à ERC, por ser "um bocadinho acintosa".


O Conselho Regulador da ERC delibera que "os factos [...] não mostram que tenha sido afectada, por essa via, a autonomia redactorial da Rádio Renascença".


Luís Gonçalves da Silva, membro do mesmo Conselho Regulador da ERC, diz que se verificou, precisamente, o oposto.


Pergunta-se:

1. Por que é que o jornalista da Rádio Renascença, cujo nome nunca é mencionado na deliberação, e que proferiu a referida frase: "Licenciado, talvez... Engenheiro, não!", não foi chamado pela ERC para ser ouvido, e explicar em que contexto e qual foi a intenção ao ter dito aquela frase?

2. A ironia e a acintosidade também não são uma forma de humor, dependendo do contexto e do tom empregues? O humor não faz parte da liberdade de expressão? Será que o Poder, acha que o povo é estúpido e não sabe distinguir o que são factos reais e o que é humor?

3. Será que por pensar isso mesmo: que o povo só sabe distinguir o que é humor em espaços comunicacionais identificados como tal, é que a jornalista Manuela Moura Guedes foi saneada de apresentar o Jornal Nacional da TVI, uma vez que também ela produzia, constantemente, comentários irónicos e acintosos no final das peças jornalísticas? Se foi, o jornalista José Rodrigues do Santos que se ponha em guarda, pode-lhe acontecer o mesmo, pois ele de vez em quando também profere comentários irónicos a algumas notícias do Telejornal da RTP1.


(continua)


Nota: O negrito e sublinhados do texto são da responsabilidade do Poviléu

Fontes: Deliberação 1/IND/2007 do Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), sobre "A independência dos órgãos de comunicação social à luz do artigo «Impulso irresistível de controlar», da autoria de Nuno Saraiva, publicado no jornal Expresso, de 31 de Março de 2007" (Lisboa, 14 de Agosto de 2007)

2 comentários:

José António Borges da Rocha disse...

Lamento mas não percebo porque é que o meu comentário fica "Done"...! HUM!!!
Desde há dois dias que ando a tentar comentr e não me é consentido: Nona tentativa.

Será o SIS?

Bem tentemos de novo.

É claro que este ambíguo e parcial Serviço Dito Público da RTP - RELEMBRE-SE PAGA POR TODO NÓS - tem uma explicação lógica e um sentido óbvio: CAUDILHO DO PODER.

Se a notícia serve ao poder: difunde-se com oportunidade; se não silencia-se: como foi o caso do "Ingenheiro Não! Licenciado...NIM!.


Hoje assistimos a mais um facto que convém contextualizar e enquadrar sob o prisma da verdade: o PM veio a terreiro discursar sobre o Ensino, sobre os Estudantes, um Mimetismo Propedêutico TODO POPULISTA. Mas LEMBRO-LHE, sim a si sr PM que há um SEGMENTO DE PORTUGUESES (MILITARES DO QP QUE SERVEM NA ESCOLA PRÁTICA DE TRANSMISSÕES) QUE QUEREM ESTUDAR E NÃO OS DEIXAM: TUDO PORQUE UM CAUDILHOTE DUM COMANDANTE QUE (POVO ESPANTE-SE) DENTRO DE DIAS VAI SER PROMOVIDO A GENERAL.
O PRIMEIRO MINISTRO CONHECE ESTA REALIDADE, MELHOR ESTA CRUELDADE PORQUE NÃO A ESTANCA?

É como diz o poeta: O Portugal de Hoje: UM ESTERCO, UMA LIXEIRA.

Desculpem a agressividade

Saudação amiga para todos os amigos da blogoesfera: o único sítio onde há democracia.

O único sítio onde se concorda ou discorda das ideias dos outros mas também ONDE A NINGUÉM é vedado o direito a expô-las (Um exemplo para a RTP)

Paulo Carvalho disse...

Pois, tem razão Viriato, por vezes acho que anda aqui mãozinha. Mas como ao contrário de "alguns" não vou em cabalas, os textos estão a salvo.

Obrigado a todos.

P.S. O caso RTP é uma "pérola". Será tema do meu próximo texto.