6 de julho de 2007

Blogosfera portuguesa: resistência ou clandestinidade?

A liberdade de expressão é um direito constitucional inscrito em todas as constituições dos países da Europa e, faz parte da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (artigo 10.º).

A utilização da liberdade de expressão tem as suas regras, que todos concordamos. No entanto, assiste-se nos últimos anos, desde a aparição da Web 2.0, sobretudos dos blogues, à utilização abusiva dos limites da liberdade de expressão para simplesmente silenciar, intimidar, perseguir, censurar, aqueles que fazem um uso correcto e legal desse direito. Tenho para mim que, a liberdade de expressão não é algo que os homens concedem aos homens, em que uns poucos se acham no direito de impor aos outros o que se deve, ou não, dizer, escrever, gravar, registar, difundir, através da utilização da técnica e da tecnologia que a Humanidade hoje dispõe para que o Homem se faça ouvir no palco global.

A liberdade de expressão faz parte do DNA de qualquer ser humano. Se cada um de nós não pediu para nascer, então no momento em que nascemos deveremos ter a possibilidade de utilizar todas as ferramentas que o Criador, o que quer que isso signifique em termos religiosos, biológicos, filosóficos, pôs à disposição da espécie.

Entre essas "ferramentas" está a Liberdade de Expressão, mas também a responsabilidade do seu uso e acção sobre os demais seres humanos.

O problema da Humanidade foi, desde sempre, o facto de alguns homens se arrogarem de possuírem mais direitos que os restantes e impor a estes aquilo que em cada momento se pode fazer, ou não.

O Direito surgiu para dirimir os conflitos entre os homens. Mas, por vezes a utilização do Direito tem levado às maiores barbaridades da História. A liberdade de expressão tem sido uma vítima, ao longo dos tempos, da utilização abusiva do Direito.

A liberdade de expressão é um facto em Portugal desde 1974, mas não se pense que essa forma de liberdade era desconhecida no país. Não. Entre 1926 e 1974 a sua utilização estava proibida. Antes de 1926 ela era utilizada e consentida. Desde a Revolução Liberal de 1820 até à queda da I República em 1926, o povo português sabia o que era a liberdade de expressão. Não se pense que Eça ou Camilo viveram na clandestinidade e que as suas obras viram a luz do dia depois de 1974.

Agora que vivemos em Democracia e Portugal faz parte da União Europeia desde 1986, a liberdade de expressão é um direito que ninguém ousa pôr em causa. Pelo menos directamente. Embora durante estes 33 anos sempre houve, aqui e ali, uma ou outra voz a pugnar para que o poder legislativo impusesse mais restrições a esse direito. Mas nunca encontraram eco. Felizmente.

O direito de cada um de nós se sentir injuriado, difamado e por isso recorrer à justiça, por achar que outrem se excedeu no uso da liberdade de expressão, também nunca foi posto em causa. A justiça existe para arbitrar e castigar, se for caso disso, os prevaricadores.

Os políticos, também são homens, também têm o direito de recorrer à justiça se se sentem difamados ou injuriados. Mas sabem, ou deveriam saber, que são homens públicos e que todas as suas acções têm uma leitura diferente das dos restantes concidadãos. A sua acção política e cívica é vista como um sinal, interpretada não como cidadão, mas como homem político de que se encontra investido. Logo passível de ser seguida e copiada pelos demais homens públicos.

A entrada de rompante do Primeiro-Ministro, José Sócrates, ao apresentar uma queixa-crime contra o autor de um blogue, por este na sua opinião se ter excedido no uso do direito da liberdade de expressão nos textos, posts, difundidos no seu blogue, contra si, é um sinal a toda a blogosfera portuguesa, quer ele queira, quer não.

Por que não utilizou, o Primeiro-Ministro, durante os dois anos que o referido blogue abordou os contornos da sua licenciatura, o direito de resposta, para repor a sua verdade dos factos, junto do autor do blogue, e preferiu antes processar? O direito de resposta está consagrado nas leis da República.

Não se julgue que o processo contra António Balbino Caldeira, autor do blogue Do Portugal Profundo, é inocente. É tão só, o início das hostilidades contra a blogosfera portuguesa, a que o Primeiro-Ministro deu o tiro de partida. Coisa nunca vista, até agora, na Europa a tão alto nível político. Pode-se imaginar o que por aí virá a seguir.

Caros concidadãos, a blogosfera portuguesa está sob ataque. Não tenhamos dúvidas. Os tempos vindouros não vão ser fáceis. Há que estar vigilante e não baixar a guarda.

O caso português é virgem na Europa, a nível de Primeiros-Ministros ou Chefes de Estado, mas os ataques à liberdade de expressão de que os blogues são alvo, multiplicam-se por essa Europa fora.

Dirão alguns: "Mas há blogues que são um verdadeiro lixo", para utilizar a terminologia de um conhecido utilizador da blogosfera, que fazem uso da liberdade de expressão para nos seus blogues cometerem autênticos crimes contra o direito ao bom nome e à honorabilidade dos cidadãos. Sim, há. Mas esses por viverem na clandestinidade não correm perigos adicionais. O que nos deve preocupar a todos, são aqueles que são vísiveis, que não vivem na clandestinidade e à margem da lei. A questão dos blogues anónimos é outra questão. Ser anónimo não significa obrigatoriamente estar à margem da lei e cometer ilegalidades. Por vezes só assim se pode denunciar os "podres" da sociedade, por receio de retaliações sobre si e a sua família. Não é o próprio Estado que aceita e dá seguimento a denúncias anónimas? Então por que é que não deveria haver blogues de autoria anónima?

O grave, e que nos deve preocupar a todos, são as investidas contra os blogues, e respectivos autores, que não se escondem, que são fáceis de identificar e de chegar até eles. Esses blogues, e tudo o que lhes possa acontecer, são uma referência para todos os outros que assim procedem e actuam. Será que se pretende que a blogosfera que não se dedique a temas como a culinária, a puericultura e afins, passe à clandestinidade, toda ela?

A clandestinidade é sempre uma alternativa, já acabar com a blogosfera é impossível. Era como dizer: "Esqueçam que se inventou a televisão, vamos recomeçar a comunicar por sinais de fumo".

Este blogue vai começar, numa primeira fase, a dar pública voz de casos reais, autênticos, de censura, perseguição e intimidação a vários autores de blogues europeus, que foram, e são, vítimas do uso deturpado dos mecanismos do Direito. Numa fase posterior dedicaremos espaço a outros casos extra-europeus.

A blogosfera veio revolucionar o modo e a forma como os homens comunicam uns com os outros. O poder, todo o poder, está em pânico. O pânico é enorme nas democracias ocidentais. Não é difícil perceber porquê.

O resto do mundo que nunca teve acesso a uma democracia plena e onde a liberdade de expressão é uma miragem, não se preocupa nada com "isso" da blogosfera. Também não é difícil perceber porquê, pois não?

3 comentários:

Anónimo disse...

O grave e o que nos deve preocupar a todos são as investidas contra os blogues, e respectivos autores, que não se escondem, que são fáceis de identificar e de chegar até eles.

Esta sua frase tem muito que se lhe diga. Claro que as investidas contra os identificados demonstram a perigosidade dos ataques, porque são mais fáceis e de consequências imediatas. Ora, isso significa também que os não identificados apenas "escapam" transitoriamente e apenas "até ver"; lá chegará a sua vez, é tudo uma questão de meios técnicos, de tempo e de "manpower".
Por outro lado, a perseguição aos identificados implica uma cada vez maior fuga à identificação e, portanto, a tendência passará a ser para que ninguém se identifique. Um mundo de anónimos e heterónimos, um universo de clandestinos.
Por isto, acho que nos deve preocupar tudo o que envolva bloggers: os que assinam, sim, mas também (ou principalmente) aqueles que o não fazem - e que têm todo o direito a não o fazer. Ninguém é obrigado a abrir um endereço e a ler, ver ou ouvir um conteúdo. Os limites legais à liberdade de expressão, manifestação e produção de conteúdos já existem há muito tempo. Qualquer "inovação", pelo agravamento e disseminação de instrumentos de repressão, nesta área, não passa de simples atropelo a essa mesma legislação. Veja-se o caso paradigmático do recém-criado Alerta Online.

Paulo Carvalho disse...

Caro JPG
Concordo integralmente com o que disse. Se a investida começa por aqueles que são facilmente identificáveis, contra os restantes é uma questão de tempo. Mas não só. Tempo, dinheiro e meios. Por isso, em Portugal, como em tudo, começa-se sempre por aquilo que dá menos trabalho, porque parte do mesmo já está feito.

Isabel Filipe disse...

" É tão só, o início das hostilidades contra a blogosfera portuguesa, a que o Primeiro-Ministro deu o tiro de partida. Coisa nunca vista, até agora, na Europa a tão alto nível político. Pode-se imaginar o que por aí virá a seguir.

Caros concidadãos, a blogosfera portuguesa está sob ataque. Não tenhamos dúvidas. Os tempos vindouros não vão ser fáceis. Há que estar vigilante e não baixar a guarda.
"

.... acho que tem toda a razão...

parabéns pelo Post ...

bom fim de semana