30 de julho de 2007

O número da besta

666


Só depois de morrerem dois professores, a quem foram recusadas as respectivas aposentações por invalidez, em virtude de as juntas médicas da Caixa Geral de Aposentações (CGA), que apreciaram os casos, acharem que os visados gozavam de muito boa saúde para trabalhar. A verdade é que pouco tempo depois morreram devido às doenças pelas quais se julgavam, infelizmente, com direito à aposentação, quanto mais não fosse, para terem o direito de morrerem em paz, juntos dos seus.


A partir destes casos, vieram a público outros similares, a quem foram recusados os pedidos de aposentação por invalidez, devido a doenças incapacitantes, a maioria do foro oncológico. Os autores da façanha são sempre as juntas médicas da CGA.


O governo, muito chocado com o sucedido, tratou de modificar a lei, por forma a que as juntas médicas passem, doravante, a ser constituídas unicamente por médicos.


No entanto tudo indica que o problema não está nos elementos não médicos presentes nas juntas, mas sim na qualidade dos médicos dessas mesmas juntas. Para além da provável pouca apetência científica de alguns relativamente a algumas patologias, outros são mal educados, prepotentes, insensíveis e de uma falta de humanidade atroz.


Maria Alexandra Gonçalves, assessora principal da Direcção-Geral de Energia, com cerca de 37 anos de descontos para a CGA, viu-se em 2003 com um problema grave de saúde: cancro nos intestinos. Após cirurgia e outros tratamentos médicos, uma junta médica da Administração Regional de Saúde considerou que ela tinha uma incapacidade permanente de 85%. Maria Alexandra Gonçalves foi conciliando os tratamentos com o trabalho, mas em Julho de 2006 resolve requerer a aposentação, uma vez que a doença deixou-lhe marcas físicas e psíquicas permanentes.


Chamada à junta médica da CGA em Dezembro de 2006, relata-nos, através do jornal Público, edição impresa, de ontem, a humilhação a que foi sujeita:



"Entrei, com um saco cheio de exames, cumprimentei e estendi a mão a um dos médicos. Mas a minha mão ficou no ar e, como resposta, só ouvi ’Sente-se!’. Depois, o mesmo médico que não tinha respondido ao meu cumprimento, olhou para mim e para o atestado da outra junta médica onde constavam as minhas habilitações e disse: "Com estas habilitações e com esse aspecto, não quer trabalhar?" E, eu, que trabalho desde muito nova e que estudei à minha custa, sensível como me sentia, comecei a chorar". A observação "não deve ter demorado cinco minutos", assegura Alexandra Gonçalves, referindo que, apesar da sua insistência, os médicos não quiseram ver nenhum dos exames que levava, repetindo que estava em perfeitas condições para trabalhar. "No final, estava tão chocada e desorientada que não encontrava a porta de saída. E perguntei como é que saía. ’Por onde entrou’, foi a resposta.


Mais tarde, procurou saber quem eram os médicos, visto que não estavam identificados, mas, nos serviços, sempre lhe negaram essa informação."


Será que na nova lei vem lá escrito que os médicos têm que ser educados, que não se devem comportar como tiranetes. Que estão proibidos de dar respostas e considerações ordinárias. O "sente-se" diz-se aos cães. E para além da alteração das considerações científicas para atribuição da aposentação, que são primordiais, espera-se que na nova lei os nomes de todos os elementos da junta médica estejam visíveis e sejam facultados aos requerentes.


O poder político é o principal responsável por este quadro tenebroso das juntas médicas, porque nunca se lhe opôs. No entanto, há um aspecto, no testemunho da Maria Alexandra Gonçalves, que não pode ser assacado ao governo: a educação e a formação cívica. Esses aspectos são estruturantes do ser humano, não se decretam, independentemente das habilitações de cada um.

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