22 de janeiro de 2008

Um Portugal novo

A propósito da lei do tabaco há muito boa gente, mas escassa, que desanca no director-geral de saúde, Francisco George, por este querer fazer cumprir a lei.

Não percebo porquê? Ele é um funcionário, não é político. Se não for o director-geral de saúde a promover e a fazer cumprir hábitos de saúde pública, quem será?

Vivemos um tempo de grandes mudanças e de excesso de regulamentação a propósito de tudo e de nada, que mexe com a nossa vida privada.

As sociedades com vida sempre foram atreitas à mudança. No passado, como no presente. As gerações que assistem à mudança são, como é natural, as mais críticas, porque há algo que lhes é retirado, ou oferecido, depende da visão de cada um.

As gerações posteriores instalam-se num quadro de aceitação normativo que para elas é normal, não conheceram outro e já não questionam o retorno à situação anterior. Irão protagonizar outras alterações que tal como no passado, e no futuro, serão alvo de polémica, de aceitação por uns, rejeição por outros. É normal nas sociedades.

Também gostaria que fôssemos mais livres, detentores de liberdade responsável. Não basta criticar, há que agir.

É nesta inacção objectiva que Portugal está.

Os políticos portugueses, historicamente, sempre fizeram leis "muito bonitas" para não se cumprirem, se não no todo, pelo menos em parte. Havia um contrato social, empiricamente estabelecido,  entre o legislador e o povo, em que cada uma das partes sabia de antemão que havia condescendências à lei. O célebre: "fechar de olhos".

Assistimos hoje em Portugal a uma mudança de paradigma. Os governos, sobretudo este governo de José Sócrates, estão apostados em que não haja quaisquer condescendências no cumprimento da lei. Dirão: "mas há sempre uns que conseguem "contornar" as leis e não são punidos por isso". Sim, é verdade. Assim foi, assim será. Em Portugal, e em todos os países do mundo, em maior ou menor grau. Não é isso que está em causa.

O governo, este governo, ao fazer o uso massivo dos meios comunicacionais, como nunca nenhum até agora tinha feito, começou "a mostar" ao povo, mais concretamente a essa imensa mole humana que é o garante do Estado, ou seja a classe média, que "agora era a doer", e todos os dias é-nos apontado casos de pessoas punidas por não terem cumprido a lei nos mais variados sectores da vida em sociedade. Sectores que todos nós julgávamos mais ou menos impunes. O caso dos impostos é dos mais emblemáticos.

As pessoas amedrontaram-se a sério com o Estado. Pela primeira vez na História de Portugal, o cidadão comum tem medo do Estado e do que este lhe pode fazer se não cumprir a lei.

No tempo da ditadura o cidadão comum não tinha medo do Estado. A regulamentação do Estado em relação à vida dos cidadãos era muitíssimo menor e o Estado estava vigilante era com aqueles que lhe poderiam fazer frente a nível político, não com o povo.  Quem disser o contrário não é sério sob o ponto de vista histórico.

Há uma alteração profunda daquilo que se entende por Liberdade, ou liberdades.

A liberdade política e a liberdade de expressão que foram uma conquista em Portugal, depois do 25 de Abril de 1974, têm hoje, passados mais de 30 anos, como reverso da medalha que as liberdades individuais, de cada um fazer aquilo que quer, sejam menores do que antes de 1974, em nome do bem comum, ou como muitos gostam de dizer: "em nome da liberdade de todos".

A lei do tabaco é uma lei de costumes e  com os costumes podíamos todos nós bem: cada um fazia o que queria e ninguém queria saber se o "vizinho" cumpria ou não. Era do foro íntimo. O Estado convivia bem com  esse "entendimento" da lei. Não se inportunava. Desde que a sociedade se auto-regulasse, queria lá saber se a lei era cumprida na íntegra ou não.

A lei do tabaco seria mais uma lei como as do passado. Não era, e não foi. Mas caso curioso, o Estado, e este governo em particular, ficaram espantados pela aceitação da lei, logo nas primeiras horas, pelo cumprimento rigoroso da lei pelo cidadão comum. O tal povo. O zelo foi tanto por parte do cidadão comum, prenhe pela comunicação social ao serviço do Estado, que até os "zés-ninguém" de outrora desataram a chamar as autoridades quando a lei não estava a ser cumprida.

As próprias autoridades, a quem cabe fazer cumprir a lei, mostraram-se estarrecidas, por este "zelo popular". Não esperavam isto do povo. O inspector-geral da ASAE quando puxou da sua cigarilha sabia muito bem que não estava a cumprir a lei, mas ele pensava que como isto era lei de costumes que a mesma era para se ir cumprindo e como o cidadão comum, na sua cabeça, iria mostrar-se renitente em cumprir a lei integralmente nos primeiros tempos, logo também não havia "perigo" ele não cumprir imediatamente. Mas houve, e isso também o assustou.

As criaturas, hoje, não perdoam ao criador, como no passado. A faca tem dois gumes.

O Estado em Portugal tem hoje caminho aberto para tudo o que quiser fazer. O povo tem medo, está obediente. Só exige que também o Estado cumpra as leis que faz. Se cumprir,  tudo está bem.

Isto é novo em Portugal. Poderia ser uma janela de oportunidade para melhorarmos como povo, como país, como sociedade, se tudo isto não funcionasse na base do medo.

O Estado, mesmo o democrático, gosta de povos amedrontados. Assim, tudo é mais fácil.

Mas, não desesperemos: "Há um tempo para encher balões e um tempo para esvaziá-los". Está na mão dos políticos o grau de enchimento e de esvaziamento. Mesmo os "cordeiros" um dia revoltam-se e os balões rebentam, com maior ou menor estampido, dependendo do grau de enchimento.

A História não acabou. A História repete-se. Para o bem e para o mal.

1 comentário:

Anónimo disse...

Caro Paulo Carvalho

A história nunca se repete, se permite a minha opinião! Parece, aos nossos olhos, por uma questão de interpretação. O fulcro são os interesses!! A "liberdade" é, pelos dias de hoje um "conceito! Porque é que os políticos – que são a primeira linha de acção – não fazem o "ideal"? Porque estão ocupados na sua vidinha!! É que não basta querer ou dizer! É preciso saber e possuir capacidades humanas e ideacionais. O pós-25.4 pariu uma geração muito politizada e sôfrega de atitude. Mas o resultado é uma confrangedora classe de materialistas, independentemente do partido que professam.
Só agora deparei com o seu blogge. Gostei. Espero que continue.

cumprimentos
João Amorim